quinta-feira, 28 de março de 2013

SÍMBOLOS, LETRAS, JUSTIÇA E VIDA


Clodomir Monteiro
Assembléia Solene no Palácio da Justiça do Acre
Encerramento das Atividades da AAL
9.12.2008


Excelentíssima Desembargadora Izaura Maria Maia de Lima, o que marcaria o essencial no símbolo da justiça ao lado do símbolo literário enquanto arte?

Da arte de todos os tempos? Vejamos o significado de moderno, atribuído a Baudelaire. Para ele, modernidade é “o transitório, o fugidio, o contingente, do qual a outra metade é o eterno e o imutável”, que, segundo entendo, seria “a raiz das raízes”, “o conteúdo místico da arte”, elemento essencial da afinidade existente entre as obras de arte de todos os tempos, como nos diz Kandinsky.

Num trabalho sobre Baudelaire e Delacroix, Leyla Perrone-Moisés comenta: “o que Baudelaire chamava (“ Le peintre et la vie moderne”, 1893) aí modernidade não era um determinado momento histórico, mas apenas o momento contemporâneo de qualquer pintor, fosse ele renascentista ou oitocentista. Mas como, no mesmo estudo, ele aponta aspectos essenciais de seu próprio momento histórico, a palavra modernidade aí acaba por ganhar um significado específico.”

Mas como pelo menos esboçar a relação simbiótica da AAL com o Tribunal de Justiça do Acre, e mais particularmente, o recente Museu com que esta casa seguidora, protetora e produtora da Justiça, costura a essência de sua substantividade, com a história e preservação ética e estética do Acre e da humanidade?

As considerações inspiradas a Baudelaire por reflexões de Delacroix (reconhecido, a partir de Baudelaire, como o grande pintor do Romantismo), em suas Questions sur le beau e Les variations du beau, nos estimulam a passar através de várias “modernidades”, se tivéssemos tempo. Até chegarmos neste século e nesta casa, neste final de atividades de mais um período administrativo. Imediatamente pensamos nos símbolos destas duas casas e tudo o que com eles está implicado. Principalmente a possibilidade de vivermos um tempo de renovação de símbolos. Exercício próprio aos afeitos a buscar no passado lições ainda atuais para hoje. Repito, este momento aproxima o Tribunal de Justiça e a AAL, aparentemente distantes, mas ambos com a essência da ética e da estética, ambos em uma prática de simbiose histórica entre os militantes de cá e de lá, em muitos casos os mesmos militantes.

O símbolo não é apenas arbitrário, vai nos afirmar o escritor e crítico Antonio Olinto: é também frágil. Joyce Cary insistia nessa fragilidade como elemento importante no esforço de renovação que todas as formas de expressão empreendem ao longo dos tempos. O símbolo é frágil, mas toda educação repousa sobre o dogmatismo dos símbolos, a tal ponto que a menor das novidades provoca protestos. É o tipo dogmático do ensino que, nos últimos séculos, vem destruindo a intuição natural da criança. Pode-se discutir sobre se o desaparecimento dessa intuição haja sido, ou não, um bem, mas, do ponto de vista da conquista de uma linguagem cada vez mais viva, a simbologia precisa de contínuos reaferimentos e renascenças. Toda arte usa símbolos, diz ainda Cary, e a II Guerra Mundial começou ao redor de símbolos. Os preconceitos, raciais, religiosos ou políticos, se nutrem de símbolos e, por sua vez, alimentam esses mesmos símbolos.

Cada vez que um homem, descontente com os símbolos que o cercam, tenta criar outros - e escreve uma obra diferente, ou pinta um quadro impressionista em 1870, ou faz um poema como Rimbaud, ou ergue um Ulisses como Joyce, ou reestrutura a sua língua e sua linguagem como Rosa, ou amplia as possibilidades de expressão de um filme como Antonioni - está lutando contra a falta de sentido dos velhos símbolos e levantando toda uma série de símbolos novos.

A história do mandarim que, diante de um quadro de Gainsborough, levado à China por um embaixador inglês, ficou admirado de que as damas inglesas andassem com um lado do rosto sujo, e mais admirado ainda quando soube que aquele marrom escuro de uma face queria indicar sombra, revela o espanto de todo homem, acostumado a seus símbolos, quando posto diante de outros, e, mais do que o espanto, a incompreensão. Assim agiu Albert Wolff, crítico de "Le Figaro", em 1875, ao chamar Renoir de "lunático" e "louco". 

Imaginemos um dos mais conhecidos símbolos da Justiça. A Balança. Bastando em si, para indicar que o portador se trata de advogado ou algo relacionado ao Direito e a Justiça. Mas o que não é tão popularizado é a origem desse símbolo. Originalmente, a balança simbólica, nunca está isolada, mas acompanhada de uma espada e sustentada por uma imagem feminina. 

Essa figura feminina é a deusa grega Diké, filha de Zeus e de Thémis, que, de olhos abertos, segurava, com a mão direita a espada e, com a esquerda uma balança de dois pratos. A balança representa a igualdade buscada pelo Direito e a espada representa a força, elemento inseparável do Direito.

Note-se que a Deusa Diké, originalmente, não estava vendada e sempre tinha os olhos bem abertos para distribuir a Justiça empregando a força das Leis contra seus opositores. Contudo, no século XVI, por invenção de artistas alemães, ironicamente, foi-lhe vendados os olhos, retirando-lhe a visão.

Hoje, não é raro encontrar imagens da Deusa sentada e, também ironicamente, atribuir tal posição ao cansaço pela espera de desfechos das causas ante a lentidão processual que, infelizmente, ocorre.

Deixando de lado, a plástica conferida pelos artistas à Diké, voltemos ao ponto da Balança:

Ao poeta, romancista, contista, cronista se lhe pedimos equilíbrio, harmonia entre conteúdo e forma; pedimos ética. Ninguém admitirá do escritor apenas o estabelecimento da injustiça. No plano da moral, seria também injusto, não despertar emoções.

O direito colhe de todas as artes, e por estatuto, da imaginação criativa e criadora a repetição de símbolos desgastados. É pela qualidade de escritor já comprovada que Cristóvão Tezza colhe hoje de toda a imprensa especializada ou não tantos prêmios, O Filho Eterno. Ele conseguiu atravessar o perigoso limite entre a realidade e a ficção.

Assim a pergunta colocada no inicio está respondida. De fato juntando o Kairós, o próprio Filho de Deus, expressando o símbolo máximo, tempo, ética e estética, podem voltar ao passado e lá aprenderem se robustecerem, como o faz Giovanni Reale, com o SABER DOS ANTIGOS, a terapia para os tempos atuais.

A AAL vai além dos símbolos permanentes dos clássicos escritores, estes são recriados em símbolos da modernidade, daquela que Baudelaire expressou em sua obra, daquilo que o Direito vem criando, quando vai além da ciência jurídica, Este Tribunal é nos um bom exemplo. O museu desta casa contém tantos símbolos atuantes, que chego a relativizar um pouco a certeza de Antonio Olinto ao afirmar que os símbolos são frágeis e envelhecem logo.

Saibamos nós fazê-los renascer com vigor visando um mundo sempre melhor.